Brasil está na retaguarda da América Latina na punição dos assassinos e torturadores da ditadura
AMÉRICO GOMES do Instituto José Luis e Rosa Sundermann |
Aniversário dos 48 anos do golpe foi marcado por protestos |
• Este 31 de março de 2012, 48 anos depois do golpe militar de 1964, está servindo para que apoiadores da ditadura se manifestem reivindicando o golpe e exigindo que a Comissão da Verdade, se for instalada, não tenha efeito nenhum.
Manifestações contra o golpe em muitas cidades também marcaram a semana. A mais emblemática foi a do Rio de Janeiro, onde o senhor Sergio Cabral enviou o Batalhão de Choque para reprimi-la. Enquanto isso golpistas se aproveitavam da palestra no Clube Militar, "1964 - a verdade", para realizar um ato de apoio à ditadura.
Nesta palestra o vice-presidente do clube, o general da reserva Clovis Bandeira, chamou a Comissão da Verdade de revanchista. Militares e policiais, torturadores e repressores da época da ditadura não admitem a criação desta comissão e se ela for instaurada querem garantir que ela não tenha qualquer resultado.
A Comissão da Verdade
Em 21 de setembro de 2011, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto que cria a Comissão da Verdade, para investigar os crimes cometidos pelo estado durante a ditadura, de 1946 e 1988.
Esta comissão, porém, já nasceu com muitas deformações. Uma delas é que não terá independência do governo, todos os membros serão nomeados pela presidenta Dilma; além disso, não terá meios legais e materiais para investigar a fundo os crimes cometidos, e, o pior, tem por objetivo apenas investigar e não aplicar punições aos torturadores.
O Brasil na retaguarda
A verdade é que o Brasil é o país mais atrasado da América Latina em punir repressores da ditadura. Nunca se puniu um torturador.
Na Argentina, membros das juntas militares foram julgados e punidos. O genocida General Videla se encontra na prisão; o ditador Reynaldo Bignone está em prisão domiciliar, e Alfredo Astiz, ex-chefe de inteligência do grupo da Marinha, chamado ‘anjo da morte’, foi condenado à prisão perpétua.
No Peru, o ex-presidente Fujimori foi condenado e está preso. No Uruguai, o ex-presidente Bordaberry, responsável pelo golpe de 1973, foi sentenciado há 30 anos e morreu em prisão domiciliar. No Chile, vários militares acusados de assassinatos e torturas cumprem penas.
Aqui, o governo Dilma tenta não realizar a punição dos responsáveis e a reparação às vítimas, mas não consegue fechar a ferida e nem acabar com os protestos.
Por isso a Comissão da Verdade, mesmo acordada com os setores mais reacionários, não sai do papel, ninguém nem sabe quem serão seus representantes, e buscam limitar sua ação pela Lei de Anistia, de 1979.
No entanto, sua existência só tem sentido se tiver como resultado a identificação dos agentes do Estado que participaram da repressão política e sua responsabilização, julgamento e punição exemplar, para que esta violência nunca mais volte a acontecer, nem no Brasil, nem na América Latina. Além de determinar oficialmente se o que houve no país foram atos terroristas ou uma luta de resistência.
Mas para isso organizações de Direitos Humanos, sindicatos e entidades populares, devem continuar lutando por uma verdadeira Comissão da Verdade, independente do governo, com uma equipe de alto padrão, orçamento destinado à execução desse trabalho e reconhecimento da sociedade, para realizar uma apuração impecável e, principalmente, para julgar e punir os criminosos
Reverter a posição do STF
Compactuando com a impunidade, o Supremo Tribunal Federal decidiu em 2008 que a Lei da Anistia impediria julgamentos de atos praticados durante o regime militar.
Mas os tratados internacionais de Direitos Humanos e, principalmente, a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, determinam que crimes de lesa-humanidade (tais como a tortura) são imprescritíveis e impassíveis de anistia. A não punição dos militares configura violação de convenções internacionais ratificadas pelo Brasil.
E não somente os criminosos que realizaram diretamente os crimes, mas também os que os apoiaram e financiaram, de maneira que fiquem intimidados a não repeti-los.
Anistia e reparação
Uma política de Direitos Humanos pressupõe responsabilidades para os Estados. Por isso, ele tem o dever de instituir programas de reparação material (simbólica, individual e coletiva), para as vítimas, incluindo restituições de direitos, compensações financeiras e disponibilização de serviços de educação, saúde e moradia, que incluem inclusive, desculpas oficiais do Estado, mudança de nome de espaços públicos, estabelecimento de dias de comemoração e a construção de museus, parques e locais de memória.
Uma sociedade que quiser investir na diminuição dos efeitos do legado da violência do regime autoritário, deve estabelecer um processo pedagógico de (re) conhecimento das violações e valorização do direito à resistência dos povos contra a opressão.
A Constituição de 1988 garantiu o direito à reparação, mas FHC tentou manobrar e diminuir suas atribuições somente em torno do reconhecimento da responsabilidade do Estado por mortes e desaparecimentos (lei 9.140/95). Já a segunda Legislação (lei 10.559/02) se estendeu a todos os atos de exceção, incluindo: torturas, prisões arbitrárias, seqüestros, compelimento à clandestinidade e ao exílio, demissões e transferências por razões políticas, banimentos, expurgos estudantis e monitoramentos ilícitos, para a fixação das indenizações.
Estabelecendo um critério compatível com a prática persecutória mais recorrente: a imposição de perdas de vínculos laborais, impulsionadas quando a luta contra a ditadura uniu-se aos movimentos grevistas, o que de fato gerou a sua derrubada.
Assim a reparação não se limita à dimensão econômica. Prevê também direitos, como a contagem de tempo para fins de aposentadoria, a garantia de retorno a curso em escola pública, à reintegração ao trabalho, à localização dos restos mortais dos desaparecidos políticos e outros.
A anistia é um ato político e para ser efetiva é necessário reparação, verdade e justiça.
Américo Gomes é advogado com especialização em Política e Relações Internacionais, membro da Comissão de ex-presos e perseguidos da Convergência Socialista e do ILAESE
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